Em minhas visitas técnicas às usinas de reciclagem em todo o Brasil, eu sempre encontro uma situação muito comum: usina parada com os donos acomodados com a situação do mercado. O agregado reciclado não vende porque não tem mercado ou não tem mercado porque não tem agregado reciclado?
Hoje o Brasil tem mais de 310 usinas de reciclagem de resíduos da construção civil e demolição, mais inúmeras ATTs (Áreas de Transbordo e Triagem) e Aterros de Inertes. Isto significa que existe um mercado consolidado para o destino do RCD (Resíduos da Construção e Demolição), pelo menos nas grandes metrópoles e regiões mais populosas.
Se há um mercado minimamente estruturado para a destinação do RCD, é óbvio que existe um mercado para o agregado reciclado, certo? Em teoria sim, mas não é o que acontece.
Se você analisar uma usina de RCD, verá que a receita da empresa se baseia na cobrança do entulho que entra e na venda do agregado reciclado para a construção civil. Só que há um saldo negativo nessa história, ou seja, as usinas recebem mais entulho do que vendem agregado reciclado, então nessa conta nós temos um resultado inusitado, devido a usina de RCD não ser um destino final como o aterro de inertes.
O resultado inusitado é: ou um estoque gigante de agregado reciclado ou um estoque de entulho, configurando um verdadeiro aterro de inertes. O espaço de uma usina de reciclagem de resíduos da construção civil é limitado e, em geral, muito inferior se comparado ao de um aterro de inertes, por isso a necessidade premente em se vender o agregado reciclado na mesma velocidade em que se recebe o entulho.
As usinas de RCD se perdem em seu negócio, pois não conseguem vender o produto produzido, seja por condição do mercado ou pela natureza da empresa em não ter estrutura administrativa para isso.
O agregado reciclado é bom, barato e sustentável, por que não se vende? porque não tem quem saiba fazer isso. O vendedor é aquele cara que vende o produto, que corre atrás de informações, que entende a necessidade do comprador, que antecipa as condições do mercado, que seja um técnico, acima de tudo… pois bem, as usinas de reciclagem de RCD não tem esse “cara”.
No fim das contas, é uma desilusão para o empreendedor, pois abriu uma empresa pensando e sonhando em ganhar dinheiro com “entulho reciclado” (maneira incorreta em se referir ao agregado reciclado), porém, o que se vê hoje é um britador parado em meio as condições adversas. Condições adversas da empresa, não do mercado.
Até hoje eu não consigo entender a real reclamação das usinas de reciclagem de resíduos da construção civil. A maioria dizem que não vendem o agregado reciclado, mas não tem uma equipe de vendas, nem um site ou um meio eletrônico explorando o material. Não tentam ou não tentaram vender o material, a venda, muitas vezes, acontece de forma passiva.
Sabemos das condições do setor da construção civil, mas isso não é justificativa para sucumbir a realidade. O agregado reciclado mais barato que o agregado natural já é uma vantagem competitiva e um alento para o empreendedor ir para a rua vender o material.
A situação econômica é responsável por reduzir a demanda por agregados, aqui eu incluo agregado natural e reciclado, dessa forma, tanto a pedreira e o porto de areia e a usina de reciclagem estão no mesmo lado ou no mesmo barco. Todos estão com dificuldade para vender. Todos, sem distinção.
Mas em quê o agregado se distingue? Exatamente no preço e no frete, geralmente menor em virtude da distância. As usinas de reciclagem de RCD estão mais próximas do centro consumidor do que uma pedreira e um porto de areia.
Outro fator determinante é a logística reversa, ou seja, estar próximo do gerador do entulho garante a usina de reciclagem uma condição confortável no relacionamento com o engenheiro da obra.
Junta-se a isso o esgotamento das pedreiras, os processos mais rigorosos para obtenção de licença para novos portos de areia e pedreiras e a característica do agregado reciclado para aplicações menos nobres, como estradas rurais, ruas e calçadas, terraplenagem e enchimento de valas. Tudo isso criando um ambiente perfeito para a comercialização do agregado reciclado e, amiúde, colocando o material reciclado nas tabelas de compras públicas.
Em um gesto que sinaliza a maturidade do mercado de usina de RCD, a Abrecon, por sua vez, empreende o programa setorial da qualidade, engendrando critérios mais objetivos para mensurar a qualidade do empreendimento que recebe e recicla os resíduos da construção civil.
Com tudo isso a favor das usinas de reciclagem, como pode ainda alguém reclamar?
Questões importantes que impactam no preço do agregado reciclado, como os tributos e a cultura, não são levados em consideração. Mais do que uma condição propícia, o que os empreendedores precisam é de uma injeção de ânimo, motivação e um pouquinho de vontade.
Não custa nada e vale muito ter um site explicando o negócio, um perfil em alguma rede social e alguém minimamente treinado para atender as eventuais dúvidas por telefone ou pessoalmente.
Achar que o agregado reciclado por si só vai vender, é falácia, puro romantismo ambientalista. Caro empreendedor, se está ruim, está ruim para todo mundo. Você não está numa situação diferente do que seus pares, assim, quando a poeira baixar, ficarão aqueles que se adaptaram as condições mais hostis do passado.
Levi Torres
Coordenador da ABRECON